IMAGORÁDIO
Este texto em forma de entrevista foi concebido para esclarecer e divulgar alguns pressupostos e fundamentações teóricas e de pesquisa sobre a ImagoRádio. Na entrevista, realizada em janeiro de 2024, o ex-bolsista PIBIAC do Projeto ITEC Jonatã Pereira, estudante de Pedagogia da UFRJ, conversa com Profª Angela Santi, Coordenadora do Projeto Imagem, Texto e Educação Contemporânea – ITEC/FE/UFRJ, idealizadora e realizadora da ImagoRádio, sobre o processo de criação da mesma e as potencialidades estéticas e pedagógicas que ela reconhece nesta produção radiofônica.
ENTREVISTA COM A PROFª ANGELA SANTI
J: Angela, o que é o projeto ImagoRádio – sons e imagens da educação?
A: ImagoRádio – sons e imagens da educação é um projeto inspirado nas peças radiofônicas de Walter Benjamin, apresentadas pelo filósofo a partir de 1927, em Berlim, e no programa de rádio Coisa em Si, desenvolvido por mim em 1991 junto à Rádio Cosmos, na UFPel (Universidade Federal de Pelotas/RS).
J: E como foram pensados os programas em formato digital do projeto ImagoRádio?
A: Os programas em formato digital foram pensados para ser ouvidos em celular, tablet ou computador, em um tempo médio de 5 minutos.
J: Do que são compostos os programas do projeto ImagoRádio?
A: Os programas são compostos por material sonoro que apresenta, pensa e problematiza as possibilidades e sentidos do texto, da imagem e da educação em suas versões sonoras.
J: Como a rádio pretende abordar a imagem?
A: A rádio pretende pensar a imagem a partir de um deslocamento, tomando-a em dois sentidos. No primeiro, entendemos que os sons de algo nos fornecem uma imagem desse algo, ou seja, é como uma “imagem” ou “paisagem” sonora que nos remete às cenas ou situações correspondentes a esses sons, fazendo com que, nesse caso, a imagem se torne como que sinônimo de representação. No segundo sentido, entendemos que os sons acionam imagens mentais que podem provocar, além da representação, a imaginação e a produção de sentidos, experiências, e uma série de outras “visualizações” nos ouvintes.
J: Angela, como você entende as possibilidades educacionais de um projeto como o da ImagoRádio?
A: A partir dessa compreensão sobre o que sejam imagem e som, os programas se apresentam como possibilidades educacionais em sentido amplo, para além da sala de aula e da escola. Educação como ação de humanização e produção de conhecimentos e sentidos coletivos e sociais. Isso porque a rádio apresenta a possibilidade de uma educação não só através da palavra, e de uma narrativa encadeada racionalmente, mas também através dos sons, permitindo uma afetação aberta e livre de interpretações acabadas.
J: Quais tipos de sons estão presentes nos programas e como é feita a seleção dos mesmos?
A: No programa estão sons do universo escolar, do cotidiano, das artes e das notícias. São conversas de corredor, trechos de notícias e entrevistas, discursos, poemas, peças de teatro, textos lidos, sons ambientes. E eles são coletados tendo por objetivo nos lembrar do quanto o caos sonoro que percorremos cotidianamente, e ao qual estamos submetidos, nos ensinam e educam sobre a cidade, a vida e o mundo. Educação que parecemos querer rejeitar quando forjamos uma “pálpebra sonora” com os nossos fones de ouvido, nos fechando para os sons do aqui e agora, nos refugiando no som de um tempo-espaço das nuvens, sejam elas digitais ou oníricas.
J: Qual é a importância de reeducar a escuta?
A: A velha afirmação de que “o ouvido é um olho sem pálpebras” parece não mais valer e, por isso, assim como para o excesso de imagens é preciso reeducar os olhos, para a restrição dos sons precisamos reeducar a escuta.
J: Como os programas da ImagoRádio são construídos?
A: Os programas da ImagoRádio são construídos a partir de fragmentos sonoros em torno de uma temática. Eles pretendem explorar e tensionar a característica fragmentária da comunicação contemporânea em suas redes e mídias digitais conectadas. Ao construirmos o programa como uma unidade com início, meio e fim, mas composta por uma diversidade de sons tanto de natureza, quanto de qualidade diferente, convidamos o ouvinte a realizar sua própria construção narrativa.
J: Como as sequências sonoras dos programas influenciam a narrativa?
A: As sequências sonoras que compõem a rádio, ainda que pensadas discursivamente, não possuem a força da linearidade e da causalidade narrativas de uma produção textual, fazendo com que as possibilidades de sentido sejam múltiplas e possuam um certo grau de liberdade, ainda que aconteçam dentro do universo finito da composição de cada programa.
J: Qual é a diferença entre a navegação nas redes e a sequência dos programas?
A: Diferente da “livre” navegação das redes, e seu infinito mar de possibilidades e informações, o programa tem uma sequência, em uma narrativa pensada, planejada e editada. Contudo, ela precisa ser aceita e acolhida pelo ouvinte, de modo que ele busque sua própria construção de sentido, algo racional, mas que surge a partir de uma provocação que lhe chega de forma que apela mais à estética e à sensorialidade, do que à lógica.
J: Angela, como o formato da ImagoRádio se diferencia de outras produções radiofônicas?
A: Formatos como o da ImagoRádio procuram pensar a rádio como um exercício estético, prendendo-se menos a uma sequência narrativa linear sobre algum tema, como já dito, do que a tentativa de selecionar sons que produzam imagens e construam “ambientes” a partir de “flashes” sonoros que podem tanto confirmarem-se uns aos outros, como serem dispostos de forma a produzirem tensões entre si ou se contradizerem, construindo sentido a partir disto.
J: Quais são as influências teóricas por trás do formato da ImagoRádio?
A: Destaco, principalmente, as “imagens dialéticas” (choque entre temporalidades capaz de produzir uma “imagem” atualizada a partir do contraste entre dois elementos), de Walter Benjamin, e o do trabalho de Bertold Brecht, em ABC da Guerra, com a noção de montagem.
J: Professora Angela, muito obrigado pela entrevista! Foi bastante esclarecedora!
A: Eu que agradeço! Um grande abraço, Jonatã.